Passagem incômoda

Haveria que tomar a refeição depressa, de pé para ser mais rápido. Nada de fartura e comilança. Tudo muito frugal: ervas amargas e pão sem fermento.

Após vários séculos, mais que a tradição, perdurava ainda o espírito da passagem. Nada tinha a ver com mãe que queria que seus filhos se postassem um à direita e outro à esquerda da figura principal. Longe de querer se proclamar de estirpe real: “meu reino não é deste mundo”. Diferente da fé que exige o contato concreto como se possível fosse tocar o objeto da fé.

Após dois mil anos, resiste ainda o espírito da passagem que nada tem a ver com coelhos que põem ovos. Em casa nunca tentaram me enganar: o contato diário com a criação, como se dizia, fazia crer que ovos são de aves ou répteis ou peixes,... não de quadrúpedes peludos de sangue quente. Muito menos ovos de chocolate, que disparate!

Passaram os dias, anos, séculos, milênios até. O espírito da passagem permaneceu, quer suba ou desça a bolsa. Mesmo que o mercado se deixe abater por crises de histeria. Ainda que o câmbio flutue ou pareça se agarrar a um penhasco imbatível. Apesar das moedas (que podem ser de papel) perderem ou ganharem valor. A despeito de nem se precisar mais nem de papel: as ações viagem pelo mundo virtual para acelerar a acumulação. Mas foi com 30 moedas que se vendeu o amigo, moedas de metal mesmo, dinheiro de verdade como diziam.

Sempre tento imaginar as sensações dos que passaram da escravidão para a liberdade. Dizem que não houve liberdade propriamente, mas acho que uma alegria perpassou os que viram seus grilhões rompidos. Uma passagem que se revelou, para muitos, enganosa, porque não foi possível chegar à liberdade.

Isso de para ser grande precisar ser pequeno como as crianças, nada tem a ver com baús da felicidade, ações que sobem, empresas que abocanham umas às outras, moedas que repentinamente se esfarelam, executivos que compram políticos, governantes que se vendem por bem menos de 30 moedas. Também nada parecido com coelhos pondo ovos de chocolate.

Tem tudo a ver com semente que apodrece para se tornar árvore, com paz que passa pela espada, com não ser digno se não deixar tudo que se tem.

A passagem continua a desafiar o tempo. É incômoda, exige sair do egoísmo e buscar a solidariedade, sobretudo com o diferente. Ainda há pessoas que têm essa coragem. A elas desejamos que a Páscoa permaneça para sempre. Às demais, que a busquemos incessantemente. Com ou sem ovos, feliz Páscoa!

Iolanda Toshie Ide

Convento Santíssima Trindade

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