VIGÉSIMO DOMINGO COMUM (21.08.11)

Mt 15, 21-28

 

“Mulher, que fé tão grande tu tens”

 

As comunidades de Mateus, semelhantes às nossas de hoje, viviam certas tensões provenientes das diferentes tendências teológicas e pastorais no seu meio. Uma das tensões - que aliás causou muita dificuldade na Igreja primitiva, como Atos e as Cartas Paulinas testemunham - se referia à questão da integração de judeus e pagãos nas comunidades cristãs, em pé da igualdade. É esta tensão interna que está subjacente à história relatada pelo texto de hoje.

 

Os versículos anteriores (15,1-20) versaram sobre a questão do puro e impuro, especialmente em referência aos alimentos. Mas, entre as pessoas também havia classificação de puro e impuro - uma distinção trazida para dentro da comunidade mateana pelos convertidos provenientes da formação farisaica. Os judeus não podiam comer com os pagãos para não se contaminar. Jesus veio abolir tal distinção, tornando acessível a qualquer um o dom de Deus, pela fé na sua pessoa. Que esse princípio foi muito difícil para os judeu-cristãos aceitarem é bem ilustrado pela controvérsia que levou ao Concílio de Jerusalém (At 15) e pela polêmica entre Paulo e Pedro na Igreja de Antioquia - talvez o berço da última redação de Mateus - como relatado em Gl 2,11-14.

 

O local do relato é a região de Tiro e Sidônia - o atual Líbano. Jesus é confrontado por uma mulher desesperada por causa da doença da sua filha (“atormentada por um demônio”, na visão da época). Ela é uma pessoa duplamente marginalizada - por ser mulher sozinha num mundo machista e patriarcal e por ser pagã, considerada irreversivelmente impura pelos judeus. Em um primeiro momento Jesus a ignora e nem responde. Alguns autores, em uma tentativa de suavizar essa atitude do Senhor, dizem que Ele estava testando a fé dela. Parece que o próprio texto dá outra explicação - Jesus, nestas alturas, considera a sua missão como sendo somente aos judeus, para restaurar a Aliança quebrada. O diálogo parece-nos até chocante pelo termo que Jesus usa para descrever as pessoas de origem pagã - “cachorrinhos”. Mas a mulher usa este termo como gancho para reivindicar a sua atenção - e acaba mudando a visão de Jesus. Diante da sua insistência, motivada pela sua fé, Ele lhe dá um louvor que ninguém mais recebe em Mateus - o de ter “grande fé”.

 

Este trecho nos traz uma grande surpresa - Jesus aprofunda o sentido da sua missão através do contato com uma mulher pagã - uma pessoa duplamente rejeitada e desprezada nas tradições da religião e cultura dela. Jesus só deseja ouvir a voz do Pai - e aqui o Pai lhe fala através da cananéia! Que lição para nós! Quantas vezes ficamos surdos diante da voz do Pai porque nos fechamos diante de pessoas consideradas pela sociedade vigente, ou pelo legalismo religioso, como indignas, impuras, ou desprezíveis! O Pai normalmente não nos fala por grandes revelações extraordinárias, mas através dos eventos, das pessoas e dos relacionamentos do nosso dia-a-dia; mas, a surdez de espírito nos torna indiferentes a esta revelação diária!

 

Surpreende o entusiasmo com que Jesus louva a mulher: “Mulher, que fé tão grande ti tens!”. Em que consistia essa fé? Certamente não em uma adesão aos dogmas do Judaísmo, da religião de Jesus, pois ela era gentia, ou pagã. Muito mais consistia na certeza de que Deus atende os gritos dos excluídos e sofridos desse mundo, que Deus é o Deus da vida e da vida plena para todos/as (Jo 10, 10).

 

Nós temos o privilégio de termos essa verdade revelada em Jesus; mas, embora adiramos aos dogmas e catecismos, cumpre-nos questionarmos se realmente acreditamos na ação libertadora de Deus em favor dos oprimidos. Ou, continuamos criando barreiras de “puros” e “impuros” na sociedade e na Igreja de hoje? Que esse texto nos ajude para que estejamos alertas aos sinais dos tempos, para ouvirmos a voz do Deus vivo nos falando no dia-a-dia das nossas vidas e que tenhamos a coragem de mudar as nossas estruturas mentais, tantas vezes condicionadas por preconceitos raciais, de gênero ou de religião, seguindo o exemplo revelador de Jesus.

 

Pe. Tomaz Hughes, SVD

E-mail: thughes@netpar.com.br

 

 

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