“Eu estarei com vocês todos os dias até o fim do mundo”
Chegamos ao último trecho do Evangelho de Mateus. Podemos dizer que o evangelho todo culmina na postura dos discípulos, descrita em versículo 17: “Ajoelharam-se diante dele” – uma postura de adoração, de reconhecimento da sua natureza divina. Porém o trecho nos adverte que muitas vezes a nossa fé em Jesus também pode ser vacilante, quando fala “ainda assim, alguns duvidaram”.
Depois dum longo escrito de vinte e oito capítulos, o Evangelho termina duma forma muito resumido, neste texto de hoje. É um texto tão denso em conteúdo que dificilmente a gente pode imaginar como dizer mais coisas em tão poucas palavras. Como gênero literário, reúne elementos das “entronizações” do Antigo Testamento, com a comissão apostólica.
Em primeiro lugar, vale notar a localização do acontecimento, em Mateus – na Galiléia. Seguindo o mandamento dado pelo anjo do Senhor na manhã da Ressurreição (Mt 28,7), os discípulos voltam para a Galiléia para encontrar-se com o Senhor Ressuscitado. Aqui “Galiléia” significa mais do que um local geográfico! A Galiléia era lugar da missão de Jesus, onde ele serviu os pobres e marginalizados da sociedade e a religião. Voltar para a Galiléia significava voltar para a prática de Jesus, um afastamento de Jerusalém, simbolizo da sede de poder e dominação. Mateus nos ensina que quem quiser encontrar-se na sua vida com o Jesus Ressuscitado, deve assumir o seguimento de Jesus, na prática das suas opções, aplicadas às condições e desafios da sociedade de hoje. O que significa assumir as opções práticas de Jesus no nosso mundo de consumismo e exclusão?
Embora haja uma referência à visão que os apóstolos tiveram de Jesus, a ênfase cai sobre as suas palavras. Não há nenhum relato duma ascensão, pois para Mateus, já tinha acontecido junto com a ressurreição. As últimas palavras de Jesus poderão ser divididas em três partes, referentes ao passado, ao presente e ao futuro. Jesus declara que toda autoridade foi dada a ele no céu e sobre a terra – o verbo está no passado e ensina que Deus deu a Jesus a autoridade como Filho do Homem. Essa autoridade é a do Reino de Deus (cf. Dn 7, 14; 2 Cr 36,23; Mt 6,10). O mandamento missionário se refere ao presente dos discípulos – a sua missão universal e permanente de alastrar o Reino de Deus, para que todas as culturas, raças, etnias e religiões cheguem a ter o conhecimento da verdadeira face de Deus. Assim, Mateus mostra que a Igreja é missionária pela sua natureza, e uma Igreja que não a é, está traindo a sua natureza e identidade. Missão não e proselitismo, não é angariar novos adeptos para a Igreja – mas é continuar a missão de Jesus, cuja mensagem foi centrada na chegada do Reino de Deus. Assim somos chamados a sairmos dos limites visíveis das nossas comunidades, para que, em diálogo profético com todas as pessoas da boa vontade, colaboremos para que o Reino de Deus – a vivência da vontade do Pai- se torne realidade no nosso mundo.
Mas Mateus não ignorava as dificuldades inerentes nessa missão. Cinquenta anos depois da Ascensão, a sua comunidade, perseguida e fraca, experimentava a tentação do desânimo. Por isso insiste no elemento do futuro, que Jesus está e sempre estará com a comunidade dos discípulos. Por isso, não há porque desanimar diante das inevitáveis incompreensões e dificuldades. Pois, como Paulo dizia, a partir da sua experiência prática de missionário “quando Deus está conosco, nada estará contra nós”(cf Rom 8,11).
A festa da Ascensão não celebra o afastamento de Jesus da sua comunidade, mas o contrário, a sua presença duma nova forma – na comunidade missonária dos discípulos. Domingo próximo, celebraremos essa nova presença, na Festa de Pentecostes.