ADVENTO – TEMPO DE ESPERANÇA

“Há uma esperança para o seu futuro” - (Jr 31,17)

 No primeiro domingo de dezembro, iniciamos um tempo muito importante no calendário litúrgico cristão – o Advento, preparação para a celebração do Natal do senhor.  Advento é tempo propício para parar, refletir, verificar quais são os “buracos” a serem tapados na nossa vida, as “colinas” a serem aplainadas, os “curvos” que devem ser endireitados, nas palavras do Livro de Isaías.  Advento é tempo de renovar a nossa esperança, de refletir sobre a ação de Deus ao longo da história, e a sua presença entre nós hoje.  É tempo de renovar o nosso otimismo e compromisso na luta em favor de um mundo melhor, pois “há uma esperança para o seu futuro” (Jr 21,17). 

 A história do Brasil, e da Americana Latina em geral, impressiona como, desde a chegada dos espanhóis e portugueses (e em escala menor, ingleses, franceses e holandeses) à região, os nossos povos têm vivido sob o a tutela do imperialismo, nas suas mais diversas formas.  No caso do Brasil, depois da dominação portuguesa, iniciou-se, com o Império, a dominação do povo pela oligarquia que tinha as mesmas raízes.  A Velha República continuava o sistema de dominação da maioria pelas elites, algo que continua, no mundo inteiro, na verdade, até os dias de hoje.  Os nomes dos opressores mudaram – Império Português, Império Brasileiro, Oligarquias, ditadores militares, FMI, neoliberalismo – mas a dura realidade da maioria dos habitantes do mundo, piorando até cada vez mais.

Um dos resultados mais gritantes da continuação dessa opressão se manifesta na perda de esperança na possibilidade de um futuro melhor, por uma grande parte do povo.  Diante de tantas experiências de ter os seus sonhos traídos, seja pelos populistas, os ditadores, ou os neo-liberais, muitos já não acreditam na possibilidade de um mundo melhor, e se resignam a uma vida que pouco mais é do que a sobrevivência. O sentimento de impotência toma conta de muitos, levando-os a perder a utopia, a vontade de lutar por uma sociedade mais justa, igualitária e fraterna.

A experiência dos povos latinos não é única.  Partilham essa experiência amarga muitos povos da África e Ásia, entre outros.  Também era a experiência do Povo de Deus no Antigo Testamento.  Desde o início do século oitavo antes de Cristo, o povo de Israel e Judá vivia sob forte dominação estrangeira.  Essas dominações tinham diversas táticas e estratégias, mas todas – a da Assíria, da Babilônia, da Pérsia, dos Lágidas, dos Selêucidas e dos Romanos, tinham uma coisa em comum – a exploração ferrenha do povo dominado, através do controle político e econômico, respaldado na sua força militar. A ascensão do Império Assírio, iniciada sob o Reino de Adadnarari I (912-891), e o seu impacto de uma maneira decisiva na vida do povo de Israel e Judá sob o Imperador Tiglate-Pileser III (745-727) marcaram para o povo de Deus o início de uma nova era, com o mundo conhecido deles dominado totalmente por um único poder militar e econômico.  O paralelo com os eventos das últimas décadas da nossa era é claro.

 O Povo de Deus também desanimava e perdia a esperança.  Mas Deus sempre suscitava homens e mulheres – os profetas e profetizas – para que não morresse a esperança, a utopia, a certeza que um outro mundo fosse possível.  Olhemos um desses profetas – Jeremias – através do texto de Jr 31, 7-22.  Numa situação de globalização do poder político, econômico e militar – o Império Assírio – ele assegura o povo esmagado que vale a pena manter a esperança, pois “há uma esperança para o seu futuro” (Jr 31, 17).

O Império Assírio dominava totalmente o Oriente Médio Antigo durante mais de um século e meio.  Por mais de cem anos o povo do Reino de Norte sobrevivia como um pequeno resto ao redor da Samaria, enquanto a maioria desapareceu na vastidão do Império, para nunca mais regressar.  O império dominava os pequenos estados fracos, através de três etapas: em um primeiro momento criava-se um relacionamento de vassalagem diante da demonstração do poderio militar, com obrigação de pagamento de tributos regulares, em dinheiro ou espécie (mantimentos, matéria prima etc.).  Em caso de qualquer sinal de resistência substituia-se o vassalo rebelde com alguém mais ameno, mas do povo dominado, para colocar em prática as decisões tomadas na Assíria. Também aumentava-se o peso da tributação, como também a pressão militar e diplomática da Assíria.  O Império hegemônico controlava totalmente a política dos países nominalmente independentes, mas na verdade subjugados. Se essas medidas não garantissem a dominação, ocupava-se o país militarmente, e ele era incorporado no império, como Província Assíria.

Não exige muita imaginação para ver que hoje estamos vivendo algo muito semelhante ao segundo estágio de vassalagem, diante do Império da nossa era.  O mundo consiste de mais de duzentos países independentes, mas na realidade a vasta maioria está subjugada ao poder do Império.  As decisões mais importantes estão tomadas nos centros financeiros do mundo, sem levar em conta as necessidades do povo, e colocadas em prática por políticos afinados com os princípios nefastos do neoliberalismo.  Já estávamos acostumados com isso na América Latina, mas agora até países da Europa, como a Grécia e a Irlanda, estão reduzidos à vassalagem pelo poder econômico internacional, com cortes drásticas nos projetos sociais, para garantir a sobrevivência e rentabilidade do sistema bancário.  Povos inteiros são sacrificados às exigências do lucro, exilados das suas terras, dispersos pelo Império, com as suas raízes familiares, religiosas e culturais destruídas – aqui podemos pensar nos projetos das represas na Amazônia e o tratamento dos povos ribeirinos e indígenas. Tudo no nome do “progresso” ou “desenvolvimento” ou “modernidade”.  Diante dessa situação, não é de se admirar que haja desânimo, descrença e cinismo em grandes setores do povo, da sociedade civil e das Igrejas.

Muito atual então a mensagem de esperança de Jeremias!  Pois hoje também ouve-se a voz da Raquel chorando os seus filhos: o choro dos desempregados, sacrificados ao altar do “livre comércio”; dos sem-terra, exilados das roças em nome de uma pretensa modernização agrícola; dos povos indígenas, desrespeitados nas suas identidades e tradições; dos jovens sem perspectiva; de tanta gente a mercê de paramilitares da esquerda, de direita ou do narcotráfico; dos favelados e povo morador da rua; das crianças abandonadas e prostituídas; das florestas e rios cada vez mais destruídos pela ganância de madeireiros, fazendeiros e mineradoras.  A lista parece infinita.

Diante dessa paisagem devastadora, os defensores do neoliberalismo, na mídia e na política, proclamam os benefícios da globalização do mercado, da lei da selva, da competitividade, e procuram estender mais ainda os tentáculos do monstro opressor através de diversos mecanismos.  Adianta resistir?

Nessa situação penosa ressoa a voz da Palavra de Deus como ressoava dois mil e seiscentos anos atrás, numa situação semelhante.  “Há uma esperança para os eu futuro” brada aos quatro cantos da terra!  E essa esperança tem um fundamento sólido – o único alicerce de um mundo novo, o fato que Deus existe e age.  Não o deus dos filósofos ou deístas, não o deus que justifica e legitima a opressão, como a leitura fundamentalista da direita proclama, mas o Deus da Bíblia, o Deus de Jesus Cristo, o Deus que olha para o Brasil e para o mundo e “Vê muito bem a miséria do seu povo..ouve o seu clamor contra os seus opressores, e conhece os seus sofrimentos. Desce para libertá-lo e fazê-lo subir para uma terra onde brota leite e mel”(cf. Ex. 3, 7-10).

Este é o Deus que pode recriar tudo, “fazer novas todas as coisas”.  Mas não faz sozinho.  Ele já se encarnou em Jesus, o Verbo Divino “que se fez homem e armou sua tenda entre nós” (Jo 1,14).  Jesus também foi condenado pelo Império vigente através dos seus representantes vassalos, Pilatos, Caifás, e Herodes, mas venceu a morte e ressuscitou.  O império da morte é mais fraco do que o Reino do Bem, de Deus.  As aparências enganam.  Quem imaginava que pudessem fracassar os Impérios dos Assírios, Babilônicos, Persas, Gregos, Romanos, Soviéticos? Mas pereceram. E o Império atual também fracassará sob o seu próprio peso.  Mas não basta a queda de um Império, se for substituído por outro, basicamente igual quando não pior, como tantas vezes a história nos mostrou.  Somos chamados a participar na obra criativa de Deus, recriando uma nova humanidade, uma nova sociedade, novas formas de sermos Igreja.

            O primeiro passo para a libertação é a tomada de consciência de ser oprimido.   Isso exige uma leitura crítica dos fatos.  Durante o tempo de Judá e Israel, muita gente ignorava o seu estado de oprimido, pois a monarquia e o Templo combinavam para esconder a realidade, criando uma teologia que justificasse até os atos mais bárbaros: “Eles profetizam: “Não profetizem, não profetizem essas coisas! A desgraça não cairá sobre nós.  Por acaso a casa de Jacó foi amaldiçoada?  Acabou a paciência de Javé?” (Mq 2.6-7); “E ainda ousam apoiar-se em Javé, dizendo: “Por acaso Javé não está no meio de nós?  Nada de mau nos poderá acontecer!”(Mq 3,11).  Mas Deus sempre suscitava a voz do profetismo para que a memória do êxodo não fosse apagada.  Urge recuperar essa mística do Êxodo, do profetismo, para purificar estruturas civis e eclesiásticas que não levam à libertação, à vida.  Uma leitura bíblica, popular mas cientifica, pode ajudar muito nesse sentido de criarmos uma verdadeira espiritualidade bíblica, uma mística, que pode nos sustentar tanto nos tempo de êxodo como do exílio.

            Os impérios antigos faziam tudo para convencer o povo oprimido que não existiam alternativos a eles.  Algo semelhança acontece hoje.  Os políticos defensores dos privilegiados, junto com a grande mídia atrelada, insistem que não há outra opção a não ser entrar no ritmo mortífero do sistema vigente.  É importante ter sensibilidade diante de tantos sinais da gestação de uma nova sociedade. Temos que valorizar as pequenas iniciativas que põe em prática a solidariedade a fraternidade: milhares de grupos de base; os movimentos de valorização das minorias étnicas e culturais; o Fórum Social iniciado em Porto Alegre; a resistência aos projetos destruidores da natureza; políticos e partidos comprometidos com o povo; grupos nas Igrejas que mantém o compromisso com a visão de Jesus; grupos de saúde alternativa; movimentos populares; a nova consciência ecológica; ONGS que lutam pela vida  e pela dignidade humana; as demonstrações contra a globalização etc.  Há muito motivo para ter esperança!

Quando Jeremias profetizava o retorno do povo, um Novo Êxodo, ele orientava: “Coloque marcos na estrada, finque estacas para sua orientação, preste atenção na estrada, no caminho que você percorreu” (31,21).  Uma orientação valiosa para nós.  Pois não estamos começando da estaca zero.  Já foi trilhada uma longa caminhada.  Olhemos e conheçamos o caminho já feito – quanta luta, quanta resistência.  Quantas vezes os impérios pareciam ganhar – e quantas vezes foram derrotados. São como o dragão que deseja matar a criança, que é salvo por Deus (Apoc 13, 1-6).  Lembremo-nos dos nossos antepassados, das raízes da nossa espiritualidade, da fé dos nossos pais e avós, que diante de tanto sofrimento nunca perderam a esperança.  Conheçamos a história do povo de Deus – o da Bíblia e o do Brasil, pois como disse um grande filósofo, George Santayana, “quem não conhece a sua história está condenado a repetir os mesmo erros”

O grande marco no caminho é a Palavra de Deus.  A Palavra que revela a fidelidade de Deus que nunca abandonou o seu povo. “Há uma esperança para o futuro,”  mas ela tem que ser alimentada por uma constante leitura orante da Bíblia, feita na ótica do Deus que liberta, que se encarnou em Jesus, que veio “para que todos tenham a vida e a tenham em abundância” (Jo,10,10).  Esse alimento espiritual, tomado em comunidade, é imprescindível para que possamos criar uma nova sociedade, passo por passo.  Levemos a sério o convite do anjo para Elias, o grande profeta exausto e desanimado, quando disse “levanta-se e coma, pois o caminho é superior às suas forças” I Rs 19,7.  Alimentados com o pão da Palavra proclamemos em palavra e ação ao mundo que “HÁ UMA ESPERANÇA PARA O SEU FUTURO”.

Tomaz Hughes SVD

e-mail: thughes@netpar.com.br

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