Ir Ruth: A gente precisa de coragem, intuição, prudência, simplicidade e muito amor.

 

"O melhor lugar do mundo é onde Deus me quer". São José Freinademetz

  Ir Ruth: "A gente precisa de coragem, intuição, prudência, simplicidade e muito amor".

 

I. Edni: Por quanto tempo você trabalhou na Área Yanomami?

I. Ruth: Por mais de nove anos

I. Edni: Deve ter sido uma experiência exigente mas cheia de significado. Conte um pouco sobre ela. 


I. Ruth: Das exigência falam mais os outros. Eu mesmo não dei muito importância a isso. Eu gostei. Me senti em "meu lugar" como nunca antes. Experimentei como é bom estar inteiramente livre e disponível. Digo isso, pensando em colegas casadas/os preocupadas/os por estarem na mata, longe da família.
Certamente foi uma experiência cheia de significado. Poder salvar vidas, aliviar dores, consolar aflitos é sempre bonito e gratificante. Conhecer um povo com uma cultura e visão de vida originária é fascinante, cheio de surpresas. Viver com a natureza, com sua beleza e com seus desafios, sempre gostei; sou filha dos Alpes.

I. Edni: Qual foi seu trabalho específico junto ao grupo?


I. Ruth: Sou Enfermeira e como tal, fui admitida pela Fundação Nacional de Saúde (FNS) para o trabalho de saúde. Os Yanomami estavam morrendo de malária, de gripe com suas complicações como pneumonia, com tuberculose, e outras doenças trazidas pela invasão garimpeira. A situação era triste. Primeiro era só para tratar doentes, socorrer em emergências. Mais tarde entraram os cuidados preventivos como a vacinação e também exames de rotina para diagnóstico e tratamento precoce. 
Fui responsável pela coordenação do serviço de saúde em uma das regiões dentro da Área Yanomami. Fui tudo: médica, enfermeira, técnica, atendente; era chefe e fiz de tudo que é de serviços gerais. Às vezes estava com uma equipe, outras vezes sozinha. A gente precisa de coragem, intuição, prudência, simplicidade e muito amor. Acredito que Deus me deu tudo isso. De onde viria tanto amor à este povo?!

I. Edni: Que acontecimentos foram marcantes para você?


I. Ruth: Penso logo em umas mortes que não pude evitar e nas que ocorreram longe de nós. O choro dos Yanomami na hora e depois, a noite toda na xapona (casa do grupo Yanomami). Era para desabafar, pois ninguém pode falar dos mortos; seus nomes são rigorosamente evitados.
Lembro das lutas entre os grupos; a maneira como fazem justiça, acertam as rixas.
Vejo sua alegria, escuto suas gargalhadas, seus discursos dramáticos, as conversas ritualizadas. 
Admirei a recepção dos convidados nas suas festas que são simples, mas têm momentos emocionantes. Um dos momentos mais bonitos e profundamente sentidos foi a reconciliação celebrada antes de renovar a aliança entre grupos. Vejo ainda como um escutava o outro com toda seriedade e atenção. Sinto profundo respeito ao me lembrar dessas cenas.
As longas caminhadas pela mata são inesquecíveis. As horas na canoa sobre as águas tranqüilas do rio; também o receio, até medo que sentia nas corredeiras. Ai eu cantava e rezava: "Santa Mãe Maria, nesta travessia cubra-nos teu manto...". O mesmo fiz ao atravessar rios igarapés sobre pinguelas e troncos de árvores. Mesmo assim, naufragamos uma vez na cachoeira e duas vezes cai num igarapé. Todas as vezes saí sã e salva.

I. Edni: Como foi sua saída para você e para a Comunidade Yanomami?


I. Ruth: É um capítulo que não gosto de pensar. Nos últimos meses ajudei numa outra região que teve muita dificuldade no relacionamento com os Yanomami. A situação melhorou e ao despedir-me apresentei meu colega, prometendo que ele cuidaria com gosto deles, como eu.
Na minha última passagem por Parafuri, onde eu conheci cada Yanomami, que me chamavam de Patasoma (anciã, grande mulher, grande mãe), não tive coragem de dizer que eu não voltaria mais. Um grupo ainda reclamou que por aquela ocasião não os visitei. Eu simplesmente sumi. Isso me dói no coração. Como eu gostaria de vê-los de novo!

I. Edni: Há quanto tempo você deixou a área e por que?


I. Ruth: Saí da área Yanomami dia 22 de julho de 2001. Poucos dias depois deixei Roraima. Os motivos são diversos:
- A Pastoral Indígena de Roraima queria que eu deixasse de trabalhar com a ONG URIHI e assumisse um trabalho mais administrativo e de supervisão no convênio da Diocese com a FUNASA. Eu, porém, gosto do trabalho na base. 
- A própria URIHI passou a pedir-me com mais freqüência serviços na cidade ou em outras regiões, isto é fora de Parafuri. Com isso, a maneira de estar presente junto aos Yanomami mudou bastante e já não correspondia mais ao meu ideal. 
- A minha saúde não era mais como antes; já não tinha mais tanta força. Somente quando estava já em São Paulo constatei que era também devido ao tratamento da Leishmaniose, iniciado em maio 2001.
Da Província de São Paulo me vieram vários convites para voltar. 
Todos estes fatores interpretei como chamado de Deus para deixar a minha querida missão.

I. Edni: Quais as perspectivas de continuação de seu trabalho lá?


I. Ruth: A URIHI é uma ONG séria. Acredito que, apesar das muitas dificuldades enfrentadas, continuaram fazendo o melhor para o povo Yanomami, segundo o entender de seus membros.

I. Edni: Como você vê o futuro daquele povo?


I. Ruth: Isso é difícil dizer. A pressão da sociedade envolvente é muito grande. As mudanças vêm rápidas demais. As influências negativas são inevitáveis. Às vezes me surpreendo com o sentimento de nem querer saber o que vai ser dos Yanomami. De outro lado, espero que eles consigam resistir e manter sua identidade, assim como o faz um dos seus representantes, o Davi Yanomami.

Irmã Maria Ruth Christian, SSpS - pertence a Província Brasil Norte

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