No nosso dia a dia na escola nos deparamos com várias situações que nos fazem pensar e repensar a maneira como nossos alunos e alunas e muitos professores e professoras tratam as questões que envolvem gêneros. Percebemos os conceitos e os pré-conceitos enraizados na comunidade escolar e vislumbramos caminhos possíveis para superar a desigualdade de tratamento entre homens e mulheres.
Afinal, o que é Gênero?
É uma construção social do sexo biológico, uma maneira como as sociedades pensam as pessoas do sexo feminino e masculino. É uma das concepções forjadas pela sociedade que a alimentam e ajudam a perpetuar seus valores e crenças.
Embora ocorra em graus e intensidades diferentes, o androcentrismo permeia a realidade contemporânea e a maioria das sociedades desde os primórdios da existência das mulheres e dos homens . Segundo Marion Moreno,”o sexo masculino tem sido considerado o único observador válido de tudo o que acontece em nosso mundo, o único capaz de ditar as leis e impor a justiça,de governar o mundo . É precisamente esta metade da humanidade que possui a força ( os exércitos , a polícia), domina os meios de comunicação de massa, detém o poder legislativo, governa a sociedade, tem em suas mãos os principais meios de produção e é dona e senhora da técnica e da ciência.”
Essa visão compartilhada pela maioria das mulheres e dos homens acaba sendo entendida e aceita como natural, válida para todos, e imutável .Tendo sempre estado nela submersos,os atores sociais a compartilham desapercebidamente. Por exemplo, utilizamos a linguagem como mantenedora das desigualdades de gênero: ao nos referirmos a ambos os sexos, utilizamos o falso neutro, sempre masculino - direitos dos homens, senhores pais , prezados alunos - e negamos a identidade sexolinguística feminina. Quando listamos atributos aos homens, relacionamos força, produção, comando, liberdade, enquanto o fazemos em relação às mulheres, mencionamos meiguice, reprodução, aceitação e controle. Dos 192 países espalhados pelo mundo, apenas 12 têm mulheres como suas presidentas ou primeira-ministras, a saber, Alemanha: Ângela Merkel (2005), Argentina: Cristina Kirchner(2007), Bangladesh: Cheija Hasina Wajed (2009), Brasil: Dilma Rouseff (2011), Croácia: Jandranka Kosor (2009), Costa Rica: Laura Chinchilla (2010) , Finlândia: Tarja Halonen ( 2000 e 2006), Índia: Pratibha Patil (2007), Islândia: Johana Sigurdardottir (2009), Libéria: Ellen Johnson-Sirleaf (2005 e 2011), Lituânia : Dalia Grybauskaite (2009) e Suíça: Doris Leuthard (2010).
Como superar o androcentrismo?
Primeiramente, tomando consciência de sua amplitude e a seguir, discutindo-o criticamente, agindo firmemente para ultrapassá-lo.
O movimento feminista, principalmente a partir do século XX, trouxe algumas importantes contribuições nesse sentido. A mobilização da mulher, a tomada de consciência do processo de dominação ( do qual ela mesma não estava, a princípio, consciente, como vimos) , sua valorização, a entrada no mercado de trabalho e o avanço dos níveis de educação feminina foram conquistas jamais obliteradas... Mas, de acordo com Constância Lima Duarteem seu artigo Feminismo e literatura no Brasil , “a reação desencadeada pelo antifeminismo foi tão forte e competente, que não só promoveu um desgaste semântico da palavra, como transformou a imagem da feminista em sinônimo de mulher mal amada, machona, feia e, a gota d'água, o oposto de "feminina”.
Urge repensar a luta das pioneiras nas lutas libertárias , ressignificando suas atuações e conquistas, debater amplamente os problemas que povoam o universo feminino, tais como, violência, subserviência, abandono, desvalorização, e apontar e realizar projetos transformadores dessa realidade. A meu ver, é a escola ,instituição fundamental para a formação do sujeito, o foro legítimo desses debates, pois pode e deve ensinar a pensar e questionar, apontar novas interpretações para as velhas questões e a construir uma sociedade mais justa. Lutamos por uma educação não racista, não sexista e não homofóbica, que forme mulheres e homens que se comprometam a assegurar a dignidade humana, a igualdade de oportunidades e de tratamento entre os dois sexos e a lutar contra toda discriminação fundada por sexo, pertencimento social, etnia ou opção sexual .
Nas sociedades onde educação e cultura de qualidade são garantidas às cidadãs e aos cidadãos, há maior valorização e participação das mulheres, embora muito ainda necessite ser realizado para que a plena equiparação de direitos entre os dois sexos seja alcançada. Medidas afirmativas, tais como sistema de cotas, leis que garantam participação feminina em cargos públicos e outras, remedeiam o desrespeito quanto as questões femininas e apressam algumas transformações porque fortalecem a identidade feminina. Entretanto, somente com a formação de uma consciência verdadeiramente libertadora e comprometida com a alteridade que uma educação de qualidade promove haverá a construção da tão almejada igualdade entre os seres humanos.
Em tempo: lembram-se da enorme balburdia criada em torno da palavra presidenta para se referir à uma mulher no cargo de presidente? Fico com presidenta- embora os amantes da gramática reneguem o termo - e argumento parafraseando Pilar Del Rio , viúva de José Saramago e presidenta da sua fundação: “não se usava presidenta porque não havia função, agora que existe a função há a palavra que denomina a função. As línguas estão aí para mostrar a realidade e não para a esconder de acordo com a ideologia dominante, como aconteceu até agora. Presidenta , porque sou mulher e sou presidenta”.
Bernadette Heluey Moreira Fernandes Barata
Professora do colégio Stella Matutina desde 1980
Graduada em História pela UFJF.
Especialista em Ciências Humanas pela UFJF.
Medalha de ouro na Primeira Olimpíada em História do Brasil na Unicamp em 2009
Autora do projeto ganhador do 7º Prêmio Construindo a Igualdade de Gêneroem 2011, promovido pela Secretaria de Políticas para as Mulheres ( SPM/PR), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico(CNPq/MCTI), Ministério da Educação (MEC) e ONU Mulheres, na categoria Escola Promotora da Igualdade de Gênero.