Sobre as Reformas: Interrogações Previdentes

Falta pouco para o Congresso votar a Reforma da Previdência. Mas sobram dúvidas sobre o acerto dos seus critérios e sobre suas reais conseqüências. Esta Reforma é a solução de um impasse, ou é uma bomba de efeito retardado?

As dúvidas começam pelas contas a fazer. Diante desta Reforma, o povo brasileiro se parece com os alunos de hoje, que aprendem mal a matemática, esquecem a tabuada, e já não sabem fazer contas. Sobretudo quando é preciso conjugar a conta de somar com a conta de dividir. Pois esta é a primeira operação de um sistema previdenciário: somar recursos, para ter o que dividir. Não se pode só pensar em dividir. É preciso, primeiro, garantir a soma.

Por isto, uma pergunta indispensável para conferir os critérios desta Reforma está, de fato, aí: quem paga a conta das aposentadorias? Em palavras mais adequadas: quando alguém recebe uma aposentadoria, em quanto ele colaborou para garantir os recursos necessários? A resposta nos leva à primeira evidência, que precisa ser assumida com convicção e firmeza: num país como o nosso, as altas aposentadorias são pagas com a fome do povo. Pois os seus recursos não provém das contribuições desses aposentados privilegiados, mas são pagas com dinheiro público, que precisaria ser aplicado com urgência em políticas sociais.

Um objetivo claro desta Reforma precisa ser a eliminação das aposentadorias milionárias, que todos identificam com clareza.

Mas a questão da Previdência não se limita a fazer contas. Não se reduz a um problema contábil. Até porque se deveria conferir, com cuidado, se realmente faltam recursos. E no caso de faltarem, se é porque alguns não pagam o que deveriam pagar, ou se os recursos são desviados para outras finalidades. Tudo isto é pertinente, e torna complexa a questão. Aí se vê quanto é grave, por exemplo, a omissão em contribuir com as obrigações sociais, tão difundida num país que perdeu o senso da ética pública.

Sem o despertar ético não há reforma que resolva o sistema previdenciário brasileiro. O horizonte ético precisa balizar toda a questão previdenciária. As aposentadorias verdadeiras só resultam de um país justo, em que todos possam olhar o futuro com tranqüilidade, confiança e segurança. Por isto, a garantia de um sistema previdenciário não está, em primeiro lugar, no equilíbrio contábil do orçamento, mas na justiça social que beneficie toda a população. Entra aqui a intrigante situação dos quarenta milhões de brasileiros que estão simplesmente fora do sistema previdenciário. Uma verdadeira reforma não pode ignorar a situação deles.

No bojo da Reforma, emerge a questão dos servidores públicos. É evidente que está em curso o desgaste de sua imagem. De um lado, o país precisa reconhecer a importância de contar com servidores públicos estáveis, bem remunerados, para que possam exercer com competência a sua função. Ao mesmo tempo, o desempenho dos servidores públicos precisa se tornar um fator de desenvolvimento econômico e social, pela qualidade dos serviços prestados. No meio dessa discussão, é importante lembrar a questão das privatizações, em que setores nitidamente públicos passaram às mãos da administração empresarial, em decorrência do peso que significava a sua gestão pública. Os servidores públicos precisam se dar conta que sua situação também está condicionada à realidade econômica do país, que fica sempre mais inviabilizada na medida em que se acentuam as desigualdades sociais. A remuneração dos servidores públicos não pode se tornar em fator de manutenção ou de aprofundamento das desigualdades. Os privilégios injustos levam o Brasil à falência. Os servidores públicos precisam construir, para si mesmos e para a sociedade, uma imagem diferente: de promotores da justiça social, extensiva a todos os cidadãos. Aí eles terão o seu quinhão, merecido e reconhecido.

O Judiciário também entrou na dança da Reforma. Alguns juízes ensaiam passos desengonçados de um ritmo que não lhes compete. Ameaçam com greve, fazendo o povo se perguntar se os juízes perderam o juízo. Pois se é verdade que o Estado nasceu do exercício da Justiça, confiada a magistrados idôneos para fazê-la, e necessitados da garantia de serem preservados das disputas pela sobrevivência, para assim terem a neutralidade indispensável para os julgamentos, é também verdade que a Justiça nasceu da necessidade de defender os pobres. Por isto, a causa da justiça social precisa ter para o Judiciário uma radicalidade mais profunda do que o seu direito à remuneração privilegiada. Pois é esta causa que fundamenta a existência do Judiciário. Enquanto no país houver pobres injustiçados, toda remuneração dos juízes tem gosto amargo. Nem se pode invocar a autonomia dos poderes para que um deles disponha de recursos sem os critérios de justiça eqüitativa. Pois a distribuição eqüitativa dos recursos faz parte das finalidades do Estado e é da essência da própria Justiça.

A Reforma da Previdência nos remete, portanto, a questões complexas, que precisam ser mais debatidas, para que cada uma seja adequadamente analisada e contemplada convenientemente no conjunto das medidas a tomar. Mas é evidente que a questão mais ampla e mais fundamental é a urgente necessidade de viabilizarmos um país justo, onde todos possam contribuir responsavelmente na construção de suas riquezas, para que a ninguém falte o essencial para viver com dignidade e segurança, no presente e no futuro.

D. Demétrio Valentini - Bispo da Diocese de Jales

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