Fome Zero X Fome de Juros do Sistema Financeiro

Nestes dias a imprensa divulgou as cifras do pagamento de juros que o Estado brasileiro já efetuou neste ano. Os números impressionam. Até agosto foram nada menos do que cento e dois bilhões de reais, só de juros pagos pela União, Estados e Municípios.

Como sempre, os números precisam ser traduzidos, para avaliarmos o que na verdade significam. Bastaria dizer que o montante corresponde a sessenta vezes os recursos empregados pelo “Fome Zero”. Dizendo de outra maneira, com esses recursos o governo poderia ter multiplicado por sessenta tudo o que ele conseguiu fazer até agora com o seu famoso plano social de redução da miséria.

Com isto, fica evidente uma verdade: enquanto o governo explica que é muito difícil ter dinheiro para atender às demandas sociais, salta aos olhos que vultosos recursos estão garantidos para saciar, não a fome do povo, mas a fome de juros do sistema financeiro.

A continuar assim, resulta evidente outra verdade: caminhamos rapidamente para um impasse. Pois o governo não tem dinheiro para pagar tantos juros. Basta ver os dados que nestes dias também foram publicados. Com todo o arrocho realizado pelo governo, com o “superávit fiscal” obtido neste período, ele não conseguiu pagar nem a metade destes juros. Pois só economizou quarenta e nove bilhões de reais. Os outros cinqüenta e três bilhões, necessários para completar o pagamento dos juros, ele precisou pedir emprestado.

Assim, a dívida pública cresceu mais ainda. Isto é, pela frente, teremos mais juros a pagar. Será necessário um arrocho maior. Que por sua vez não será suficiente. Então, será preciso buscar mais dinheiro emprestado.

Para nosso controle, é bom saber que já estamos devendo oitocentos e noventa e um bilhões de reais, assim dizem as cifras publicadas nestes dias. Esta é a nossa dívida interna, isto é, o ajuste de contas que precisa ser feito entre as administrações públicas e os seus credores dentro do país. Lá fora estamos devendo dólares, numa quantia que já ultrapassa os duzentos bilhões.

Estas cifras nos deixam tontos. Mas é preciso aprumar a cabeça. A dívida interna, por exemplo, já representa 57% do PIB brasileiro. Os próprios técnicos do FMI apontam o limite de 35% do PIB, se o endividamento de um país passar disto, o desequilíbrio tende a ser irreversível.

Aí está, evidentemente, um sério problema que precisa ser enfrentado pelo atual governo.

Mas a questão precisa ser olhada com outros critérios. Não é por acaso que a dívida entra com freqüência nas parábolas de Cristo. A mais famosa é a história do homem que devia uma soma fabulosa. Perdoado pelo senhor que dele teve compaixão, esqueceu logo o grande favor recebido, e passou a cobrar implacavelmente ao pobre que lhe devia alguns trocados. Jesus coloca na boca deste impiedoso cobrador de dívidas a famosa frase, que parece escudar os atuais cobradores do sistema financeiro mundial: “paga o que me deves!”.

A frase parece se revestir de justificativa ética. “Dívidas devem ser pagas!”. Acontece que em economia precisamos ver as circunstâncias. São elas que, na verdade, apontam os caminhos da ética. O impiedoso cobrador esqueceu que ele tinha sido altamente favorecido. Nas circunstâncias atuais é o sistema financeiro o altamente favorecido. Ao seu serviço estão as instituições supranacionais, a força dos contratos, as taxas de juros, as multas preventivas, o jogo da especulação, os mecanismos das bolsas, tudo concorre para salvar o sagrado direito de cobrar as dívidas. Enquanto isto, os pobres devedores estão sendo estrangulados, sem dó nem piedade.

A parábola de Cristo termina contando como os outros todos, que ficaram escandalizados com o rigor do cobrador vingativo, foram contar ao senhor, que por sua vez tomou prontas providências para coibir a fúria da cobrança cega e impiedosa.

Pois bem, o que falta hoje no mundo é um clamor unânime para denunciar as injustas vantagens do sistema financeiro. O dinheiro, em vez de servidor da economia, se tornou algoz da produção, e escravizador dos devedores. É o Evangelho que nos autoriza a clamar por um basta na injusta situação decorrente do endividamento dos países do terceiro mundo. Sem nos eximir da seriedade em administrar nossos negócios.

D. Demétrio Valentini - Bispo da Diocese de Jales
 

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