A água está no início da vida e fecunda a vida. Os grandes filósofos compreenderam a água como origem de todas as coisas. A vida está na fonte das águas, dizia Tales de Mileto cerca de 600 a.C. Ele é chamado geralmente o "pai da filosofia ocidental". Tales admite que o constitutivo fundamental de todas as coisas seja a água (hydor). Dela tudo deriva, nela tudo consiste, a ela tudo volta. É o "ciclo aquático". Nos mais remotos mitos das religiões humanas, a origem das coisas criadas são fecundadas na imensidão das águas. Existe mesmo a concepção científica que a origem da vida no universo germinou nas profundezas das grandes águas infinitas. Ninguém vive sem água. Esta é um direito fundamental não só da humanidade senão de todos os seres vivos. A Campanha da Fraternidade deste ano tem como tema Fraternidade e água e como lema: Água, fonte de vida. Certamente este é um dos temas mais discutidos e mais gigantescos problemas na atualidade, não só no Brasil, senão em todo o sistema planetário.

A água é uma questão vital para o futuro da humanidade. Para nós, é de extrema importância este assunto, pelo fato de que a fé deve abraçar as questões vitais do ser humano tais como: água, saúde, educação, alimentos, moradia... Estes, estão entrelaçados entre si, porque não podemos superar o problema da fome e da miséria se não há garantia de acesso à água, que é fundamental para a vida. A água é necessária para a produção de alimentos, para uma agricultura sustentável e para a defesa e a conservação do meio ambiente.

Na narrativa bíblica, o Espírito pairava sobre as águas... e fez Deus a separação entre as águas (Gn 1, 2c-7). Se alguém tem sede, venha a mim e beba... no seu interior fluirão rios de água viva. (Jo 7,37b-38).
A conversa da água perpassa toda tradição judaica-cristã. No Gênesis 1 a água está antes de tudo, junto com o caos. Havia caos, água e a ruah (sopro respiração) de Deus estava pairando ali. Até parece os nossos inícios no ventre, há líquido, células sem forma e pulsação de vida.

Muitos povos têm rios, lagos e nascentes considerados sagrados (ex. rio Ganges, Índia). No cristianismo, ela ressalta o batismo e a água benta. A água está presente como símbolo em todas as religiões brasileiras. Para os negros brasileiros de origem africana as águas estão presentes por Iemanjá e Oxum (orixás das águas). Nas culturas/religiões indígenas existem as divindades das águas. A água é um símbolo comum e metáfora de vida nas religiões.
A agressão à água, portanto, é uma forma de agredir os sentimentos religiosos e simbólicos de povos e religiões.

A água é a nossa companheira. Ela está presente no nosso cotidiano. Sem ela morremos. O corpo de um bebê é 90% de água, o corpo de um adulto, 70%, na mesma proporção do planeta, mais água que terra. Água é sagrada, é vida! A água garante a vida. Por isso bem-dita água benta, água de bênção. É vida desde sempre e para sempre e em todos os lugares. Ela recria a vida ressuscita a vida, ela é vida.

Na Bíblia, o valor simbólico da água é muito forte. Águas primordiais caóticas; dilúvios; passagem pelo Mar Vermelho; água da rocha para salvar o povo da sede no deserto; passagem pelo rio Jordão, rumo à terra prometida; água da tribulação; promessa de abundância de água no deserto nos tempos messiânicos; batismo de penitência ministrado por João Batista no rio Jordão; batismo de Jesus por João Batista; promessa de água viva por parte de Jesus no diálogo com a samaritana; água que saiu do lado aberto de Cristo na cruz; batismo no nome de Jesus; as águas do rio da vida no livro do Apocalipse...

Para a comunidade juanina, a água tem um valor metafórico, que se compara com o projeto das comunidades cristãs. O poço, lugar de encontro, de partilha, de troca de idéia - veja a longa conversa de Jesus com a samaritana no poço (Jo 4). É aí que a mulher encontrou a sua busca fundamental, e ela acabou pedindo água. O poço era o símbolo da sabedoria, o sentido da vida que todos procuram. Para o povo da Bíblia, o poço era lugar de encontros que marcam para sempre a vida das pessoas. Foi junto a um poço que Isaac se apaixonou por Rebeca (Gn 24,10-27), Jacó se apaixonou por Raquel (Gn 29,1-14) e Moisés se encontrou com Séfora, sua futura esposa (Ex 2,16-22).

A água já inspirou a muitos poetas e filósofos. A água já rendeu muitas poesias e músicas, muitos textos sagrados e ritos... E, por termos esquecidos a dimensão sagrada da água, abusamos, não cuidamos, contaminamos...Desqualificamos o seu poder de cura, de purificação, de limpeza integral do corpo. Perdemos ou nunca nos interessamos na sabedoria de antigos curandeiros europeus (médico Dr. Platem e Dr. Kneipp por exemplo) das tradições indígenas e afro que estão em nossas raízes culturais, conservado entre curandeiros/as, benzedeiros/as, parteiras, que tem na água um dos principais elementos de cura. Agora só falta trazer de volta entre nós a dimensão sagrada da água no cotidiano. "Bem-aventurada irmã água".

Adelio Villalba Martinez
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