A grande maioria dos municípios só teve o primeiro turno. Alguns tiveram o segundo. Bom seria que agora todos tivessem uma espécie de “terceiro turno”, mais prolongado, até permanente, para cultivar a consciência política, para recolher as lições deixadas pelas eleições, para acompanhar de perto os governantes eleitos, para fortalecer a indispensável coesão da cidadania em vista da urgência de enfrentar os múltiplos desafios da situação do país.
Em primeiro lugar, passadas as eleições, é importante perceber a salutar oxigenação política que o processo eleitoral sempre produz.
Antes de mais nada, fica revigorado o processo democrático. Mesmo necessitado ainda de muitos aperfeiçoamentos, ele é indispensável. Tanto mais é preciso evitar sua desmoralização. Ele tem nas eleições livres o seu componente fundamental e sua mola propulsora. Daí o máximo empenho em impedir o desvirtuamento do sistema eleitoral. É o grande mérito da Lei 9840. Seu rigor precisa ser mantido, e aperfeiçoado. O “terceiro turno”, em cada município, tem como tarefa prioritária, antes que se esqueçam os episódios, analisar o que ocorreu nas eleições, para detectar as artimanhas da corrupção e procurar o antídoto que possa extirpá-las.
As urnas sempre deixam o seu recado. Por elas o povo indica os grandes rumos a seguir. Com certeza, também desta vez o povo expressou sua cobrança, apontando para a responsabilidade dos eleitos.
Cada eleição traz nova motivação para os governantes. E reforça a convicção de que é possível encontrar a solução dos problemas, sobretudo porque o povo está disposto a respaldar as iniciativas que vão ao encontro de suas aspirações.
Mas, além disto, terminadas as eleições, há um discernimento maior a ser feito. Pois seu resultado não se expressa só nos números que apontam quem foi eleito e quem não o foi. Há respostas diferentes a serem dadas à pergunta de quem ganhou e quem perdeu.
Há casos em que uma “vitória” nas urnas ainda significou uma derrota da democracia, pois os fatores que preponderam para o seu resultado ainda foram fruto da corrupção eleitoral, que instrumentalizou a miséria do povo para comprar o seu voto.
Há casos em que uma “derrota”, na verdade, significou um avanço significativo da consciência política dos eleitores, mostrando que é possível enfrentar a corrupção com a força do esclarecimento e a articulação dos eleitores.
O cultivo da cidadania é tarefa permanente, que não permite trégua. Encontrar a maneira de manter aceso o interesse político dos cidadãos é um desafio que precisa agora ser assumido, especialmente, por todas as instituições que têm responsabilidade política. Nisto a Igreja não pode se omitir. Ela se sente, inclusive, chamada agora a ajudar as comunidades a assimilarem o resultado das eleições municipais, de maneira adulta e esclarecida. Também para advertir que o rigor em combater a corrupção eleitoral será sempre uma bandeira imperativa para as responsabilidades políticas da Igreja.
Mas isto não se faz sem um avanço na formação política. A própria CNBB, a nível nacional, parte agora para a organização de um “centro de formação política”, na tentativa de articular melhor as iniciativas existentes, e propor outras mais específicas. Aos poucos vai tomando forma uma verdadeira “pastoral política”, que não se limite a tempos de eleição, mas que seja permanente e integrada nos planos de cada diocese.
Há uma difícil equação a realizar. As eleições são, ao mesmo tempo, reflexo dos problemas do povo, e instrumento para superá-los. Como fazer para que este instrumento tenha eficácia, e supere os condicionamentos a que está submetido, eis o desafio. A formação política dos cidadãos é o remédio para recuperar e aprimorar o potencial democrático das eleições.
D. Demétrio Valentini - Bispo da Diocese de Jales