Superar o machismo e protagonizar a mulher

No dia 08 de março o mundo comemora o Dia Internacional da Mulher. Muitos e muitas também estarão refletindo este evento tão necessário, tão sublime nesta data que considero ser um momento especial para relembrarmos do valor e da resistência ativa e profética das mulheres em nossa sociedade. Esta reflexão quer ser mais uma das tantas que foram escritas para identificar o papel importante das mulheres na sociedade que ainda buscam os espaços necessários para uma real efetivação enquanto protagonistas de uma história marcada8-09 por dores e cruzes.

Desde que as sociedades humanas passaram do período neolítico para o paleolítico, as mulheres tornaram-se uma espécie de extensão dos homens. Nisso muito contribuiu a formulação de doutrinas religiosas que exterminaram os direitos básicos de toda e qualquer mulher. A mulher nem sempre foi tratada na história da humanidade como submissa do homem. Em algumas sociedades, a mulher exercia o caráter matriarcal de defender a comunidade e a tribo, o que nos faz refletir que existiram momentos onde a mulher exercia a chefia da comunidade. Mas, com o tempo e, principalmente, com o início das religiões monoteístas, as sociedades passaram a identificar a semelhança entre Deus (Ser Divino) com o homem-masculino (Ser humano). O papel da mulher é então reduzido ao ato da procriação. Podemos perceber este dado histórico a partir de duas características fundamentais, a saber: a visão da mulher na religião judaica (principalmente, com a criação do Código das Leis) e depois no cristianismo, bem como a visão da mulher nos escritos gregos antigos, onde filósofos como Platão e Aristóteles, entendem que a mulher, o escravo e as crianças são como extensões do senhor (pai), sendo o senhor o único considerado cidadão da polis pela sociedade.

São essas duas visões que permanecem na história e que se tornaram presentes no inconsciente popular. Por um lado, a religião que sempre viu a mulher como símbolo da tentação (a Eva que tenta Adão a comer o fruto do paraíso), associada à serpente que tenta o homem em seus mais íntimos desejos. A mulher, bem antes da era cristã, durante toda a Idade Média, até metade do século XX, não havia conquistado seu espaço de direito na sociedade. O Dia Internacional da Mulher foi promulgado diante das atrocidades cometidas contras as operárias nos Estados Unidos e na Europa e com a morte de algumas centenas. Penso que outros e outras já tenham escrito sobre a história do porquê dessa data.

Durante este período histórico onde o papel da mulher era o de formar uma família para seu senhor e de ser procriadora de filhos (as) o homem exercia o seu poder de mandatário na sociedade, na família e nas instituições religiosas. Ainda temos situações onde a Mulher não conseguiu seu espaço, não conseguiu penetrar para ser também protagonista e sujeita da história. Mas todas se calaram? Não, sempre surgiram vozes no deserto. De Maria a Joana D’Arc, de Edith Stein a Rigoberta Menchú, de Margarida Alves a Irmã Dorothy Stang entre muitas outras que na história ousaram enfrentar o poder absolutista de homens caídos na cegueira e na paralisia de um mundo machista.

Hoje, ainda temos muito a conquistar. Ontem, dia 07 de março, o MST ocupou o INCRA em Goiânia. Muitas mulheres estão ali. Algumas conhecemos dos acampamentos e assentamentos nos quais desenvolvemos atividades da Comissão Pastoral da Terra. Uma das ocupações realizadas no dia de hoje no estado de Goiás foi realizado por uma frente de Mulheres Camponesas que estão reivindicando terra e mais dignidade nos assentamentos já estabelecidos.

Recentemente conheci muitas companheiras mulheres de luta, de fibra, de garra. A Dalva, mãe de Patrícia e do Paulo e de mais dois meninos pequenos (sementes de um novo tempo), uma potiguar que luta para criar seus quatro filhos sozinhos, sem ajuda de ninguém, a não ser dos companheiros (as) de acampamento. A Cida, militante, guerreira, coordenadora do Setor Educação no Pré-Assentamento "Gustavo Martins" em São Miguel do Araguaia, que mesmo nas dificuldades do dia-a-dia consegue encontrar forças para ajudar a todos e todas sem distinção e hoje está no INCRA nesta profética ocupação do MST. Irmã Socorro, religiosa, humilde, educadora a partir dos saberes populares, líder e mestra da Pastoral da Criança, exemplo de vida e dedicação para com os excluídos (as), uma semente viva do jeito de ser das nossas Comunidades Eclesiais de Base. Seu sorriso nos cativa e seu choro nos emociona, sua alegria nos dá esperança e sua tristeza nos faz pensar sempre nos pequenos e desprotegidos da sociedade. Dona Ana, que conheci há uma semana do P.A. (Projeto de Assentamento) Campo Alegre, católica, mãe, assentada, rezadeira, uma flor da esperança aos mais jovens. Seu acolhimento de mulher nos ensina sempre. Enfim, muitas outras, que também passam pela vida da gente e deixa o seu olhar, a esperança de um mundo diferente. E como não falar de uma jovem bela mulher chamada Sulamita, filha de mãe sem-terra, recém-chegada em terras do Araguaia, cantora, tocadora de violão, alegre, sorriso jovial, com um rosto de menina já sofreu fortes depressões diante da perda da visão que a cada dia vai aos poucos a deixando uma "deficiente visual", mas, jamais incapacitada de exercer aquilo que mais gosta, cantar, cantar e cantar a beleza da vida. Tornou-se uma companheira de vida nas andanças missionárias pelos Assentamentos e comunidades rurais. Um símbolo de resistência que nos diz e ensina que a vida se enxerga em atos concretos do cotidiano como bem afirma a CF 2006.

Sabemos que o Dia Internacional das Mulheres não esgota a comemoração e a importância da Mulher num único dia. Todos os dias são dias dedicados às mulheres e também aos homens. Em 1989, a Campanha da Fraternidade refletia acerca da Mulher e do Homem como imagens vivas de Deus, o Deus da Vida. O Dia 08 de março representa ainda a busca por respeito, dignidade e igualdade de relações humanas entre o homem e a mulher. Ainda não conseguimos superar o espírito do machismo presente em muitos setores da sociedade e que parecem não querer ver e enxergar que os tempos são outros, os tempos mudaram.

Na família, deve-se superar o espírito patriarcal e estimular a relação fraterna entre o pai e a mãe, o homem e a mulher, o filho e a filha. Na sociedade, a mulher deve ser respeitada enquanto cidadã que também se encontra excluída de um sistema que promove relações machistas de poder. Isso pode ser verificado na baixa quantidade de mulheres no exercício do poder e no tratamento às mulheres como sendo objetos descartáveis de prazer sexual para os homens o que aumenta consideravelmente a prostituição infantil, juvenil e feminina tornando a mulher marginalizada neste sistema. E, também, na Igreja, onde ainda se mantêm relações ambíguas entre homens e mulheres onde o exercício dos ministérios se afirma na figura do religioso homem. Pierre Bordieu, sociólogo francês, já alertava na década de 70 acerca dessas relações que acabam construindo imaginários simbólicos na mentalidade popular que passa a ver a mulher como não-sagrado e que o homem, por exercer o ofício sagrado, torna-se o único e legítimo representante de Deus Pai, pois até mesmo Ele é identificado enquanto ser masculino. Evidentemente, temos avanços, mas outros se tornam necessários diante do tempo histórico em que vivemos. Na verdade, precisamos reencontrar o equilíbrio dialógico entre o ser masculino e o ser feminino.

O Dia da Mulher quer ser o dia de repensar a caminhada social, política, cultural, econômica e religiosa dessa sociedade que apresenta algumas pequenas mudanças no cenário das questões de gênero, mas que continua sacralizando o Macho enquanto expressão de um Poder Totalitário o que contribui para a formação de uma sociedade desigual. A mulher não pode ser vista somente como símbolo de desejo, de procriação e uma submissa ao poder do homem. As mulheres continuam sendo chamadas a romperem com todas as formas de correntes que as aprisionam e as tornam objetos de prazer, de escravas do lar, do trabalho sem dignidade etc. Sem dúvida, a meta continua sendo superar o machismo em todas as esferas da sociedade e protagonizar as mulheres enquanto sujeitas de uma história escrita há muito tempo por elas, mas que não é contada, pois se trata de um conto a partir das dominadas. Que o conto se torne canto, encanto e profecia.

Claudemiro Godoy do Nascimento
Agente de Pastoral. Mestre em Educação pela Unicamp
fonte:
www.adital.com.br

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