Só o amor pode ser uma solução

Os tempos que vivemos, feitos de ódio, desamor e injustiças as mais gritantes vão nos deixando bem claro a necessidade de reabilitar o amor como forca suprema da vida em geral. Olhando para a tradição judaico-cristã, podemos ver que isso foi sentido muito cedo pelo povo do Livro e da Revelação.


Desde muito cedo, o povo de Israel compreenderá sua identidade em estreita relação com o amor de seu Deus. A oração com que o israelita justo e piedoso comporá sua profissão de fé fundamental já tem como pórtico de entrada o amor desse Deus que é aquilo que vai permitir o conhecimento e a perenidade da Lei. O amor de Deus é o que abre os ouvidos do povo e de cada um de seus filhos, os quais repetem várias vezes ao dia: "Escuta, Israel! O Senhor nosso Deus é o Único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de todo o teu ser, de todas as tuas forças." .


Deus, o Deus de Israel,o Deus de Abraão , Isaac e Jacó, Aquele que Jesus vai chamar de Abbá! Pai!, é um Deus que ama e quer ser amado com a totalidade da humanidade do ser humano. É, portanto, o Deus que se pode e se deve não apenas temer, mas amar, o que sem dúvida nunca se tinha ousado afirmar antes do Deuteronômio. Este amor se exprime pelo compromisso total da pessoa, evocado pela tríplice formulação: "de todo o coração, de todo o ser , de todas as forças". Em muitas outras passagens bíblicas se encontrará esse amor exigido, afirmado e reafirmado, nem sempre com a formulação tríplice, mas também dupla .
Ainda em outras passagens desse livro tão fundamental para a compreensão da experiência do povo eleito e do Deus desse povo, encontram-se outras palavras diferentes de amar, indicando a relação do povo com seu Deus. São elas: buscar a Deus; servir a Deus; praticar e guardar os mandamentos; escutar o Senhor; voltar ao Senhor. O autor bíblico evoca assim com tantos e tão diferentes verbos as infinitas formas concretas que o amor a Deus pode e deve tomar, assim como a experiência do amor de Deus pelo povo que Ele escolheu e pelos que Lhe são caros.


O amor de Deus aparece, assim, na revelação bíblica como algo dinâmico e radical, perpetuamente em movimento, e que coloca aquele ou aquela que a ele adere como que embarcado nesse itinerário infinito e sem retorno que se dá em pleno coração da história. E por dar-se em meio à história, necessariamente ambígua, trata-se de algo que nunca se terá adquirido de uma vez por todas, mas sim de algo que há que constantemente buscar, praticar, escutar, para obedecer. E o lugar onde essa prática, essa escuta, essa busca, podem unicamente acontecer é o tempo e o espaço da história humana.
O que nos permite crer que a experiência de Deus e a plenitude do Amor é o fato de que ele se manifestou assim, desta maneira , na história. E manifestou-se não como um fenômeno que deixasse intocado o enigma da realidade, mas como dom da presença que transfigura essa mesma realidade e , desde o seu interior, abre a possibilidade de acesso à verdadeira vida.


Se algo se pode dizer, pois, do povo de Israel, é que - não deixando nem por um momento de ser o povo da Lei - é o povo do amor. E é esse amor que vai configurar sua vida enquanto povo, seu caminho e seu projeto de existência. O amor de Deus será o critério pelo qual se medirá a estatura das pessoas e do próprio povo e seu projeto. Porém, toda a experiência de amar e ser amado que caracteriza o caminho do povo de Israel, assim como as exigências iniludíveis e exclusivas desse amor, já desde muito cedo vão mostrar-se como não somente afetivas e sensíveis. Tem, sim, pelo contrário, uma dimensão muito concreta e real, esse amor de Deus que vai exigir, - em demonstração de fidelidade a Sua pessoa, - a prática da justiça e do direito para com todos, em especial em relação àqueles e àquelas mais desprovidos de força, de voz, de prerrogativas: o órfão, o pobre, a viúva, o estrangeiro.


Esta identidade divina e este imperativo de ser amado sobre todas as coisas se levanta como exigência primordial revelada no rosto do outro, do próximo, em favor de quem o povo deverá praticar esse amor que lhe é gratuitamente dado. E brilha como exemplaridade vivida e verdadeira, que pôde ser vista, ouvida, tocada e sentida, no rosto de Jesus de Nazaré, ao qual a comunidade cristã reconheceu e proclamou Filho de Deus e Deus mesmo. Será Jesus, portanto, Aquele que abrirá na história, definitivamente, o acesso à presença e ao amor pleno e total.


Será neste homem, "que chamou e rezou a Deus como seu Pai (Abbá) e que, por seu agir e ensinamento, mas sobretudo por sua maneira de enfrentar a violência até a morte e por sua ressurreição dentre os mortos, manifestou que existia um elo único entre o Pai e ele mesmo" , que o ser humano poderá encontrar o acesso real e definitivo ao mistério do amor. O amor que é a única via de solução para a vida humana e muito concretamente para a época que vivemos e pois o outro nome de Deus. Importa vive-lo e pratica-lo em vez de apenas constatar sua importância e sua urgência para que o mundo seja mais humano.


* Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. É também autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros.

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